sábado, 8 de agosto de 2009

A PROPÓSITO DO FESTIVAL 2009 - ESCRITO POR VANDERLEI LOURENÇO


UM ASTRO DO ROCK’N ROLL

Vanderlei Lourenço


"- O que você mais gosta na música?

- Para começar, tudo."

Diálogo entre William Miller e Russell Hammond no filme "Quase famosos"

Último final de semana de julho e Alvinópolis, como aconteceu nos últimos 29 anos da nossa história, transformou-se. A capital da música rendeu-se a ritmos variados e, em cena, a grande vedete das três noites de festival. Incomum, como tudo o que diz respeito a essa pequena grande cidade, já considerada um celeiro na vida cultural do Estado, a colcha de retalhos musical revelou-se tecida pela riqueza de ritmos que ia do sertanejo ao samba, da bossa nova ao forró, passando pela melhor tradição da Música Popular Brasileira, para desaguar nas composições algo ainda ingênuas nas letras, mas com impressionante força melódica, da novíssima geração, cujos pulmões estavam a serviço do mais legítimo rock’n roll.

Ainda bem que os futuros astros do rock forjados em minha cidade fazem questão de declarar que, não obstante aventurar-se pelos caminhos do ritmo mais identificado com a rebeldia típica da adolescência, essa fase de descobertas em que estagiam, rejeitam o estereótipo que, tradicionalmente, dá-se ao roqueiro. "Eu sou roqueiro. Não sou viciado", cantava o vocalista da Banda Case, sagrada melhor intérprete do evento.

Bom que seja assim, já que as lendas roqueiras acostumaram-se a deixar exemplos pessoais de vida pouco edificantes. Que o digam os artistas brasileiros Raul Seixas, Cássia Eller e Cazuza, para focar nos mais recentes, que, talentosos que foram, continuam a viver em nossos aparelhos de som, Ipod e mp3.

O último teve a vida contada no filme "Só as mães são felizes", um exemplo de excessos que precisa ser evitado. Dos astros internacionais, a tela grande esmerou-se em revelar a intimidade dos integrantes do "Sex Pistols", considerada a banda mais influente da história do rock. O filme "The Great Rock’n roll swindle", de 1980 (dois anos após o fim da banda) chocou moralistas, a família real britânica e, até mesmo os fãs. Em outro momento, no ano 2000, foi lançado o documentário "O lixo e a fúria" que, em uma de suas cenas mais chocantes, mostra o baixista da banda, Sid Vicious coletando água de um vaso sanitário para misturar com heroína!
"The Doors", de 1991 é outro filme a mostrar a trajetória de uma banda de rock, influência marcante da década de 60. Iggy Pop, Bruce Springsteen, Eddie Vedder, entre outros, declararam-se influenciados pelos "Doors", cujas letras, em sua maioria composta por Jim Morrison (vivido no cinema por Val Kilmer que, mais tarde encarnou o "Batman), traziam influências diversas, inclusive de Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire. O filme mostra as muitas nuances do grande astro que foi Jim Morrison: o homem que todas as mulheres desejavam e que todos os homens queriam ser. O poeta dos excessos. Não faz muito tempo, li uma matéria que afirmava que, ate hoje, o túmulo de Morrison continua sendo um dos mais visitados do cemitério onde está enterrado em Paris, tendo ganhado, inclusive, segurança reforçada por causa do vandalismo dos fãs mais exaltados. Todos os anos, uma multidão passa por lá.

Recentemente, em 2004 foi lançado o filme "Ray", a biografia de Ray Charles, o garoto negro, filho de lavadeira do interior da Flórida. Ray Charles era cego desde os seis anos de idade e foi mais um astro a unir o talento musical à heroína. Sua vida rendeu um filme e tanto, com uma interpretação fantástica do ator Jamie Foxx (premiado com o Oscar de melhor ator pela interpretação) e uma trilha sonora magnífica, que, por isso mesmo, dispensa maiores comentários.

De tudo o que foi dito até aqui, merece ressaltar que poucos, no mundo do rock, sobreviveram a essa mistura de drogas e sexo fácil, adicionando-se uma dose de prisões, seis casamentos, dois filhos afogados e uma noiva de treze anos de idade, vamos visualizar um pouco da vida de Jerry Lee Lewis, "A fera do rock", filme lançado em 1989. Ele é considerado um dos fundadores e a última lenda viva do rock, com shows agendados no Brasil no próximo mês de setembro.

Seguindo o roteiro, Jerry Lee Lewis nasceu em uma cidade pobre no estado da Louisiana, nos Estados Unidos. Seu primo e melhor amigo na infância viria a se tornar o pregador evangélico Jimmy Swaggart, famoso na década de 80, um dos primeiros evangelizadores da TV, tradicionalista defensor da família, que foi flagrado com prostitutas e protagonizou um dos grandes escândalos da época.

Jerry Lee Lewis foi da mesma gravadora de Elvis Presley e Johnny Cash e tornou-se um fenômeno na década de 50, o espírito mais adolescente entre os adolescentes da época. Chutar o banquinho do piano para tocar em pé, subir no instrumento, pisar e sentar em suas teclas é comum para o músico. Já chegou, até mesmo, a incendiar o piano no palco e foi preso por tentar invadir a casa de Elvis Presley de madrugada porque "pressentiu" que Elvis "estava se sentindo sozinho".

Aprontou até desaparecer. Ostracismo, bebidas e todo tipo de droga, prisões e uma úlcera perfurada. Teria, inclusive, atirado e matado o baixista de sua banda depois de uma apresentação. Sumiu.

Reapareceu em 1989, com o lançamento de "A fera do Rock", título em português do filme "Great Balls of Fire", seu maior sucesso.

Em setembro será a segunda vez que Jerry Lee Lewis virá ao Brasil. Esteve aqui em 1993 e deu entrevista bêbado no programa do Jô Soares. Parece que os shows que tinha agendado, ele não conseguiu completar, de tão bêbado. Espera-se que, desta vez, seja diferente. Até porque ele está em sua melhor forma. O álbum que lançou em 2006 foi extremamente bem recebido pelo público e crítica norte americanos, e recebeu colaboração de Mick Jagger e Keith Richards, Ringo Starr, Eric Clapton e B.B. King.

Os biografados relatados nesse artigo foram e são verdadeiras lendas do rock, tiveram vida sofrida e viveram de excessos que, infelizmente, ceifou a vida de quase todos. E, inclusive por isso, fornecem material para boas obras.

Mas, biografias à parte, o melhor filme já feito, até hoje, sobre o rock é uma obra de ficção. Chama-se "Quase famosos" e foi lançado no ano 2000. Partiu da experiência do seu diretor Cameron Crowe, que foi repórter da revista "Rolling Stone", considerada "a bíblia" do rock. O personagem principal, Willer Miller, alter- ego do diretor é um garoto de quinze anos, apaixonado por rock’n roll, que tem a chance de acompanhar a banda "Stillwater", durante uma turnê, para escrever sua primeira reportagem. É, por incrível que pareça, um filme tocante.

Assisti entre risadas e torcida e, ao final, ficou aquele gostinho próprio daquilo que é bom, um gosto de "quero mais". Aí está a narrativa da era de ouro do rock, quando os envolvidos ali estavam, única e exclusivamente, pelo prazer da música, antes que o interesse nos lucros passasse a dominar a cena musical.

A sensibilidade e a reverência à música com que o filme foi feito, faz com que ele seja mais do que a história de um adolescente aprendendo sobre o que a vida tem de melhor e de pior (como poderia parecer em princípio), para transformar-se em uma pequena obra-prima da sétima arte. Em "Quase famosos" todos são companheiros, a droga não prejudica e o foco não é a promiscuidade sexual, comum nos demais filmes citados acima. E, porque ele é diferente?

Talvez porque a ficção costuma ser, quase sempre, melhor do que a realidade.

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